terça-feira, 28 de julho de 2015

LACOBRIGA, UM PEQUENO APONTAMENTO, Filomena Barata

Publicado em: PORTUGAL ROMANO21 MAI 2013
A Ponta da Piedade (nas fotografias) descrita por Manuel Teixeira Gomes, sétimo Presidente que a República Portuguesa teve, homem do mundo e algarvio de Portimão:
«Caminho estreito e arenoso, entre sebes de cornicabra por onde assomam com frequência as pás das figueiras da Barbaria, ali muito definhadas pela exposição e violência dos ventos reinantes.
(…) Ao longo da “Ponta da Piedade”, e depois cercando-a, crescem no mar inúmeras rochas acasteladas, algumas ligadas por arcos naturais, e dispostas em tôrno de pátios onde a água se faz transparente como esmeralda líquida (…).
A água conserva-se até onde a vista alcança, no mesmo tom de turqueza molhada, e o corte perfeito da penha de Sagres, perpendicular, rectíssimo, acaba no horizonte a linha de costa.»
Manuel Teixeira Gomes, in Regressos


O território hoje designado por Algarve entrou na esfera de influência romana nos finais do século III ou inícios do século II a.C., quando Gadir (Cádis) reconheceu a supremacia latina.
As fontes clássicas referem que foi ocupado, antes da chegada de Túrdulos e Celtas, na segunda metade do I milénio a. C., pelos Cónios, um povo de origem não Indo-Europeu.
Na costa algarvia quer Plínio, quer Pompónio Mela e Ptolomeu nomeiam a existência de uma importante localidade designada Lacobriga, entre as outras que também foram referenciadas como tal no período compreeendido, entre os dois primeiros séculos de dominação romana.
Plínio situa-a entre as populações célticas e Mela refere-se-lhe junto ao Promontório Sacro …
Muitos arqueólogos defenderam que a povoação Lacobriga referida pelos autores latinos se deveria situar junto de Monte Molião, onde se encontraram importantes vestígios arqueológicos, se bem que sejam também conhecidos achados de origem romana em Lagos, muito possivelmente devido ao desenvolvimento de um núcleo portuário.
Efectivamente a zona de Monte Molião deve ter devido a sua importância à produção de preparados de origem piscícola, como o denuncia a existência de conjuntos de cetárias.
Mas também alguns outros autores defenderam poder-se situar em locais como a Fonte Coberta, Serro da Amendoeira, Figueira da Misericórdia, Figueiral, e o Paúl.
Mas actualmente sabe-se que a «área da baía de Lagos foi intensamente ocupada durante a época romana. Se o início dessa ocupação está aparentemente relacionada com episódios militares decorrentes da conquista romana do extremo Ocidente peninsular, não parecem restar hoje dúvidas que, entre o século I a.C. e os finais do VI da nossa Era, cidadãos romanos estavam instalados na região.
De ambas as situações restam vestígios abundantes na área da baía, evidenciando alterações e rupturas em relação à abordagem do espaço em épocas anteriores. Por outro lado, o novo modelo de instalação, bem como as novas estruturas sociais e políticas que, de alguma forma o motivaram, também provocou modificações significativas em termos da exploração dos recursos».
in:
http://vimeo.com/29196559


As escavações efectuadas no Centro Histórico de Lagos atestam a existência de uma importante ocupação de carácter industrial de época romana, para produção e envasamento de preparados piscícolas.

Leitura fundamental: ARRUDA, Ana Margarida. Laccobriga: A Ocupação Romana na Baía de Lagos. Lagos: Câmara Municipal de Lagos, 2007. 80 p.
SILVA, Luís Fraga da, LACOBRIGA, http://imprompto.blogspot.pt/2005/10/lacobriga.html

Se quiser conhecer um pouco mais de Lagos em Período Medieval, proponho a leitura de:
Entre Muralhas e Templosa Intervenção Arqueológica no Largo de Santa Maria de Graça (2004-2005),coordenada por Marta Diaz-Guardamino e Elena Morán.
A obra centra-se na intervenção efectuada no Largo de Santa Maria de Graça (onde se teria implantado a Igreja Matriz de Santa Maria de Graça, que fora edificada no século XIV), onde se situava um cemitério medieval, utilizado durante a Época Moderna e Contemporânea, até ao século XIX.
No século XV, este cemitério recebeu a primeira sepultura do Infante D. Henrique, falecido em Sagres, tendo sido posteriormente trasladado para o Panteão Régio de Santa Maria da Vitória, na Batalha.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

UMA PEQUENA NOTA A PROPÓSITO DE UMA INTERVENÇÃO NA BASÍLICA PALEOCRISTÃ DAS RUÍNAS DE TRÓIA, FILOMENA BARATA


Por saber que estes elementos são inéditos, apenas queria dar conta, através de uma nota que tenciono vir a desenvolver, de uma escavação efectuada em sepulturas de inumação das Ruínas de Tróia, sob a coordenação de António Cavaleiro Paixão, nos idos anos 80 do século passado.
Infelizmente desta intervenção, onde apenas participei como colaboradora, somente detenho fotocópia dos elementos que publicarei de seguida, não me sendo possível, como tal, fazer uma nota mais elaborada, mas apenas dar a conhecer que, efectivamente, na Basílica Paleocristã de Tróia, já ela construída sobre cetárias de período anterior, foram, em data posterior à sua construção, colocadas sepulturas de inumação, como se pode identificar na planta.
Estas sepulturas, escavadas no solo revestido por opus signinum, eram em forma de caixas, construídas com tijoleiras  revestidas de tijolos e tégulas, como se pode verificar no desenho, similares a algumas das que foram escavadas junto ao Columbarium de Tróia, devendo contemporânoas das mesmas.
http://www.almadan.publ.pt/17Adenda039-052.pdf

No interior de uma destas sepulturas, encontrava-se depositada uma tampa de vidro incolor, de que damos nota e apontamos paralelos.


No entanto, deixo desde já estas referências para que tudo o que possuo de documentação sobre este Sítio Arqueológico possa ser partilhado, a exemplo de artigos já aqui anteriormente publicados.
http://www.portugalromano.com/2012/07/ainda-a-proposito-de-troia-setubal-e-da-arqueologia-romana-em-portugal/
Ver: http://www.almadan.publ.pt/17Adenda039-052.pdf
http://www.uam.es/otros/cupauam/pdf/Cupauam34/3406.pdf
GOMES, Francisco B. ; Vidros romanos das necrópoles de Alcácer do Sal depositados no Museu Nacional de Arqueologia(UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa; FCT)

Silva, Ana Patrícia Miranda da, 2010, «A terra sigillata da oficina de salga 1 de Tróia: contextos de escavações antigas (1956-1961) e recentes (2008-2009)».
More Info: Co-authored with Inês Vaz Pinto and Patrícia Brum
“The recent works preparing the redevelopment and presentation of the ruins of Tróia led to the identification of a level of construction from the time of Tiberius, including materials from Augustan times, associated with the walls… more
More Info: Co-authored with Inês Vaz Pinto and Patrícia Brum




Sepultura de inumação de Tróia




Planta geral da Basílica Paleocristã de Tróia


sexta-feira, 24 de julho de 2015

Sabia que o Sol e a Lua ... Filomena Barata

Por Filomena Barata,
Publicado na Revista Portugal Romano

Sabia que …




Medalhão de prata, datado do século III com representação do Sol Invictus. 
Fotografia a partir de Wikipédia.
Pessinus, Turquia (British Museum)


O Sol e a Lua assumem em quase todas as religiões antigas e mistéricas um papel fundamental.
O Sol com a força vivificante dos seus raios, desempenha genericamente o papel masculino e patriarcal e, por isso, foi associado quer a Febo/Apolo, quer a Hórus; e a Lua, telúrica, é a força feminina e matriarcal que se associa a Cibele, Ísis, Proserpina, que faz desabrochar os frutos e condiciona o crescimento de ervas e plantas.
A propósito da Lua, astro satélite sem luz própria, recordo uma velha oração que conheci no Alentejo que várias vezes tenho tazido à lembrança e ainda uma outra citada no «Asno de Ouro» de Apuleio que dão conta, por um lado, do sincretismo religioso daquele território e do papel que os cultos lunares desempenham nas crenças e religiões desde épocas remotas.



Lucerna com representação de Hélios

Proveniente de Tróia

Séc. II d. C. - III d. C. (Época Romana)

Museu Nacional de Arqueologia, 983.3.3252



Lucerna, fragmentada na asa, de bico redondo, com orla decorada com cachos de uvas e rosetas. Decoração moldada no disco, representando Hélios. Observa-se um busto masculino nimbado de auréola radiada, com o chicote do lado esquerdo. À direita desta figura localiza-se o orifício de alimentação.


Base plana com marca, delimitada por duas molduras, sendo a primeira, larga, decorada com pequenos círculos incisos, e a segunda, mais estreita e estriada.

Fotografia e descrição a partir de:

Isís com disco solar, lua e cornos, proveniente da Extremadura. 
Museo Nacional de Madrid.


Passarei a citar:
"Lua, Luar
Toma lá este Bébé
Ajuda-mo a criar
Tu és Mãe e eu sou ama
Cria-o tu que eu lhe dou mama
Em louvor da Virgem Maria
Padre Nosso, Avé Maria"


Estrabão menciona que os povos celtiberos ofereciam sacrifícios a um "deus sem nome", e que nas noites de lua cheia lhe eram dedicadas danças colectivas até ao alvorecer: "Dizem alguns que os Calaicos não têm nenhum deus, mas os Celtibérios e os seus vizinhos do Norte oferecem sacrifícios a um deus sem nome nas fases da lua cheia, durante a noite, em frente às portas das suas casas, e todas as famílias dançam em coro durante toda a noite" (5, Livro III, Cap. IV, 16). 

A outra «oração», citada por Apuleio, no "Asno de Ouro", faz também eco da mesma devoção lunar, pois atribui ao burro na sua caminhada iniciática uma oração dedicada à "Lua cheia resplandecente de admirável brilho" a quem confere uma "transcendente majestade, e que todas as coisas humanas se regiam por sua providência; que não somente o gado e as bestas feras, mas também as inanimadas, vegetavam pelo divino influxo de sua luz e divindade (...)".
E o Asno suplica à Lua, apelando a atributos que lhe foram conferidos ao longo dos tempos:
" Rainha dos céus, ou tu sejas Ceres criadora, primeira mão dos frutos (...); ou tu sejas a celeste Vénus, que na primeira origem das cousas ajuntaste os diferentes sexos gerando amor, e propagaste a espécie humana de eterna descendência (...) que, favorecendo o parto das mulheres com brandos remédios, tens dado à luz tantos povos (...); ou tu sejas Prosérpina, horrível pelos uivos nocturnos, que reprimes com a triforme face os ímpetos dos espectros, e encerras os arcanos da terra e, vagueando por diversos bosques, és aplacada com diferentes modos de culto: tu que alumias os muros de todas as cidades com a tua feminina luz, que crias as alegres sementes com teu húmido fogo e esparges uma luz incerta segundo as revoluções do Sol: por qualquer nome, quaisquer ritos e debaixo de qualquer forma que é lícito invocar-te, tu me socorre agora em minha extrema calamidade (...), tu dá-me paz e repouso depois de tão cruéis desgraças sofridas”.

«Venus riding a quadriga of elephants, fresco from Pompeii, 1st century AD»
Imagem legenda a partir de:https://www.pinterest.pt/pin/627618898047106977/


Na primeira oração ainda hoje rezada por grávidas ou por mães que vão oferecer à Lua os seus bébés, é clara a associação da Lua com a feminilidade e a maternidade.
Na segunda oração, a que Apuleio põe na boca do Asno, a Lua aparece-nos com uma feição mais complexa: ora símbolo criador, fecundador; ora rainha e regradora do mundo humano, animal e inanimado; ora símbolo do amor e da união dos sexos, associada a Vénus.
Mas a Lua também nos surge aí associada a uma divindade do mundo subterrâneo, Prosérpina, "horrível pelos seus uivos nocturnos", pois esta divindade, filha de Zeus e Deméter, a Ceres romana, foi raptada por Hades/Plutão o deus dos mortos que fez dela a sua esposa, vivendo com ela parte do ano, nesse mundo das "entranhas da Terra".

Também Diana, antiga divindade itálica, foi identificada com a grega Artemisa, protectora das margens, da caça e da natureza selvagem, assumindo também a protecção das mulheres. No caso de algumas regiões da Hispânia, aparece relacionada com o culto da Lua, com Prosérpina e, possivelmente, com cultos de cariz funerário, a exemplo de uma árula da zona de Sines, estudada por José d’Encarnação (IRCP. 104).
Daí advêm, certamente, muitas das associações maléficas que se atribuem à Lua na tradição popular, com efeitos perniciosos de mau-olhado ou de "quebranto".

Mas também por isso a Lua representa a passagem da vida para a morte, tanto mais que, como astro que aparece e desaparece, ela tanto está tanto morta, como viva.
Ainda por esses ritmos de aparecimento/desaparecimento; Luz/Escuridão; Morte/Vida, a Lua funcionou como símbolo dos ritmos biológicos, motivo porque ainda hoje a gravidez é marcada pelas Luas, atribuindo-se-lhe também grande importância nas marés e nos ciclos agrícolas.


Selene (lua) representada no disco de uma lucerna. MNAR (Mérida).
Fotografia José Manuel Jérez Linde

Também por isso alguns calendários da Antiguidade se regeram pelos ciclos lunares.
A Lua na sua conotação com o mundo feminino, sem Luz própria, ou seja o astro satélite natural da Terra que reflecte a Luz do Sol de forma descontínua, simboliza também transformação e crescimento. Caminho ou caminhada.
Mas é do casamento místico entre o Sol e Lua que se faz a verdadeira Luz, sendo por isso comum a sua associação em santuários, a exemplo do SOLI AETERNO LUNAE, localizado no sofé da «Serra da Lua» em Sintra.




Mão de Urânia segurando o Globo Cósmico. Villa romana da Quinta das Longas, Elvas


Placa da lua
Mérida Séculos VI-VII d. C.
60 × 50 × 6 cm
Museo Nacional de Arte Romano, Mérida
ce26793

«Placa de mármore com representação de edícula, constituída por base de cordão sogueado, colunas de capitel compósito e frontão triangular, delimitado por análogo cordão e vieira no interior. Debaixo do frontão situa-se a inscrição

et ante lvna sedis eivs 

e a figura da lua em quarto minguante rebaixada.

Com a seguinte tradução:

E antes da Lua está a sua (de Deus) sede.

Em cada uma das enjuntas figura uma flor tetrapétala.
A placa da lua é uma peça que recebeu especial atenção por parte dos especialistas devido à interessante linguagem formal e simbólica que apresenta.
Enquanto a estrutura compositiva em edícula é bem conhecida na escultura visigótica emeritense, tanto a inscrição — que Cruz Villalón muito acertadamente relaciona com certos salmos bíblicos — como a representação da Lua são excecionais no âmbito hispânico.
No entanto, os numerosos exemplares semelhantes do ponto de vista compositivo, presentes na coleção visigótica do Museu, e a similitude do formato, permitem interpretá-la como peça da decoração escultórica de um edifício religioso, datando-se entre final do século VI e princípio do século VII. A presença da Lua deverá corresponder assim à simbologia astral, a Lua e o Sol.
A peça foi encontrada durante umas obras efetuadas na casa n.º 1 da calle Vespasiano, na esquina com a calle Almendralejo. Numa localização muito próxima do atual Parador (antigo Convento de Jesus Nazareno), e onde já foram localizadas peças de esculturas visigóticas, algumas das quais integradas nas coleções do mnar.
O historiador emeritense Moreno de Vargas cita uma ermida goda dedicada ao Apóstolo Santiago, próxima do Arco de Trajano. Mélida diz que visitou os restos de uma «basílica visigótica» dentro do que é hoje o Parador.
A importância da mensagemesculpida, bem como a qualidade da execução, induzem-nos a pensar que formaria parte da decoração de algumas das numerosas igrejas e ermidas presentes na topografia emeritense visigótica, muitas das quais são citadas na obra Vitas Sanctorum Patrum
Emeritensium, excecional fonte para a arqueologia da cidade».
Comentário de Nova Barrero Martín

Fotografia e comentário a partir do Catálogo da Exposição: «Lusitânia Lusitânia Romana. Origem de dois povos /

Por sua vez, o Sol, sendo a maior luz do céu visível aos Humanos, é para muitos povos um dos símbolos mais importantes, sendo até venerado como um Deus ou encarado como manifestação da divindade entre muitos.
Ao contrário da Lua, o Sol que tem luz própria, é afinal a própria essência da Luz, e é quase sempre interpretado como símbolo masculino e por isso associado ao princípio Yang.
Ou seja, representa em muitos culturas, se bem que nem em todas, o princípio activo, enquanto a Lua é um princípio passivo.

Ao Sol associa-se ainda a noção de calor e de Vida, pois sem ele nada sobrevive.
Na Alquimia ele corresponde ao Ouro, encarnando a ideia do espírito imutável.
Sendo muitas vezes invocado como "olho omnipresente do Sol", como acontece no Prometeu Agrilhoado, ou "Olho do Deus Supremo", como acontece entre os Bosquímanos, relembro aqui com mais pormenor o culto mitraico e o papel que o Sol assume nesse culto de características mistéricas.


Lucerna decorada com o deus Helios deificação do Sol. Museu Arqueológico de Odrinhas.
«Apresenta o disco decorado com uma representação do busto de "Helios" visto de frente, com coroa de sete raios e o braço direito erguido segurando um chicote. A orla está decorada com motivos pouco definidos, talvez cachos de uvas ou mesmo pérolas.
O chicote remete para uma representação frequente desta divindade, condutora dos cavalos que puxavam o carro da Aurora na sua diurna travessia dos céus.
Ainda que as lucernas sejam frequentes entre os objectos depositados nas sepulturas, esta poderá ter um especial significado, considerando-se a associação simbólica entre o Sol e a suposta heroicização astralizada dos mortos».
Desenho e legenda: Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas



Na Antiga Roma, com o principado de Augusto, assiste-se, por um lado, a um retorno dos valores antigos da religião romana, assumindo-se o império como um período de "Restauração" dos valores religiosos ancestrais e, por outro, à oficialização de alguns cultos orientais, que vão ter particular adesão, quer pelos orientais com domicílio no Ocidente, quer pelos cidadãos e legionários romanos, como se verifica com o culto desse deus solar de origem persa, Mitra.
O culto mitraico parece ter chegado ao Ocidente no decorrer do século II d.C., através das legiões romanas.
Com a chegada dos invasores romanos à Península Ibérica, e particularmente dos exércitos, originou-se um novo surto desses cultos orientalizantes, apesar da sua penetração no Ocidente ser de período muito anterior ao romano.
Quer na cidade romana de Tróia, Grândola, quer em Beja está comprovado o Culto Mitraico, que se expandiu na Hispânia a partir de finais do século II – inícios do século III d. C., a par de outros cultos orientais, tais como de Serápis, Ísis, Cibele-Magna Mater.
O Sol ou Ormuzd, para os Persas, enquanto fonte de Luz, representava a Vida, a Saúde e a Fertilidade da terra enquanto criadora de todas as coisas necessárias à sobrevivência do Homem; por sua vez, à Lua ou Arimânio, atribuíam-lhe forças maléficas; as trevas e a esterilidade da Terra.
Mitra surge assim como um terceiro elemento, como uma espécie de divindade mediadora entre duas forças antagónicas, viabilizando o nascer de um novo dia, ou seja, não permitindo que a Lua ocultasse o Sol.
Mais do que o Sol, Mitra representa a Luz Celestial, ou a essência da Luz, que desponta antes do Astro-Rei raiar e que ainda ilumina depois dele se pôr e, porque dissipa as trevas, é também o deus da Integridade, da Verdade e da Fertilidade, motivo pelo que também surge associado à força genésica do Touro, o Touro primordial que Mitra é incumbido de matar, como de seguida falaremos.
Segundo as lendas de origem persa, Mitra terá recebido uma ordem do deus-Sol, seu pai, através de um seu mensageiro, na figura de um corvo. Deveria matar um touro branco no interior de uma caverna.
O ritual de iniciação nos mistérios de Mitra era o Taurobólio, porque exigia o sacrifício do touro que foi, aliás, uma constante no mundo mediterrânico oriental e greco-latino, onde esse sacrifício assume um carácter fundacional, pois o culto deste animal assenta a sua sacralidade no vigor e violência cósmica, e num poder fecundante.
É a morte ritual do touro que dá origem à vida com o seu sangue, à fertilidade, à dádiva das sementes que, recolhidas e purificadas pela Lua, dão origem aos “frutos” e das espécies animais, pois a sua carne é comida e o seu sangue é bebido.
Os candidatos à iniciação dos mistérios mitraicos, praticados quer na Pérsia, quer em Roma, tinham vários graus de iniciação, passando por provas severas e o iniciado, antes de fazer o seu voto sagrado (sacramentum) prometia não trair o que lhe havia sido revelado. Depois, o iniciado subia os sete degraus, recebendo em cada um deles um nome diferente.
O banquete ritual da morte do touro, o taurobolium, sempre em companhia do Sol, viabiliza ainda aos adeptos do culto mitraico o “nascimento para uma nova vida” ou "Renascimento" que o Cristianismo, que baniu a ideia de sacrifício iniciático do touro, transformou na água do baptismo e através da Eucaristia em pão e vinho, substituindo o sangue e a carne do touro divino.
O deus solar Mitra parece ter nascido numa gruta que simboliza o firmamento e, a sua abóbada, o céu de onde sairá a Luz para a Terra. Por isso mesmo os rituais de iniciação mitraicos eram também praticados em gruta.
Geralmente Mitra, que se faz sempre acompanhar do Sol, tem ainda um corvo à sua esquerda – que curiosamente é também o totem do deus solar de origem celta Lug, - e no ângulo esquerdo tem a figura do Sol e, à direita, da Lua.
Mas há quem que Lug, parece tenha tido também no Promontorium Sacrum um dos seus locais de culto.
Pela associação que quer Mitra, quer Lug têm aos corvos, quer a cultos solares e ainda porque se trata também de um finis tarrae como o templo SOLI AETERNO LUNAE, recordamos aqui o Promontorium Sacrum, esse lugar onde, desde tempos imemoriais, se sacralizavam pedras, e se temia o pôr do Sol, porque se dizia que fazia um rugido ao "deitar-se" no Oceano.
Desconhecendo-se se efectivamente se tratava do cabo de S. Vicente ou de uma área compreendida entre o Cabo de Sagres e o Cabo de S. Vicente, é um facto que esta área foi descrita desde a Antiguidade.
Uma das primeiras referências ao promontório é a de Avieno, que na "Ora Marítima", escrita no século IV d.C., mas baseada num périplo comercial massaliota do século VI a.C. com acrescentos gregos e latinos, a ele se refere como o Cabo Cinético: «Então, lá onde declina a luz sideral, emerge altaneiro o cabo Cinético, ponto extremo da rica Europa, e entra pelas águas salgadas do Oceano povoado de monstros» (vv. 201-205)». Avieno refere ainda que o promontório era dedicado a Saturno e «que assusta pelos seus rochedos».
O Promontório Sacro deveria tratar-se, em período pré-romano e romano, de um santuário ao ar livre dedicado muito possivelmente ao deus púnico Baal Hammon, associado por um fenómeno de sincretismo ao Saturno dos latinos, pois o geógrafo Estrabão nega, no século I, a existência de qualquer templo dedicado a Hércules ou a qualquer outro deus no local.
Este autor descreve-o como o ponto mais ocidental da Ibéria: «Este é o ponto mais ocidental não só da Europa, mas também de toda a oikouméne» (Estr. III, 1, 4) onde «Não é permitido oferecer sacrifícios nem aí pernoitar pois dizem que os deuses o ocupam àquelas horas. Os que o vão visitar pernoitam numa aldeia próxima, e depois, de dia, entram ali levando água, já que o lugar não o tem» (Estr. III, 1, 4) e acrescenta Estrabão que, segundo tradições populares, neste local o Sol aumenta no Ocaso, pondo-se com ruído, como que a extinguir-se entre as águas do Oceano (Estr. III, 1, 5).
O Ocidente, para lá das Colunas de Hércules era, pois conotado com o mundo lunar, infernal e da morte o «Mundo das Trevas» como que a entrada num mundo fantástico e mítico, povoado de monstros e onde a natureza é inóspita, onde Saturno impera.
Quer se tratasse de um santuário dedicado a Baal Hammon/Saturno ou a Melkart/Hércules, como alguns autores defendem, é, contudo, evidente a identificação deste local com entidades sagradas de clara conotação marítima e astral, aliás como acontecia noutras Finisterrae, a exemplo do Cabo Carvoeiro, em Peniche, onde Avieno, na sua Ode Marítima, atribui também ao local o culto de Saturno. Aliás, Kronos, o Tempo, quase sempre surge aliado a estes lugares do fim do mundo onde o Sol se põe.
O Promontorium Sacrum foi desde sempre lugar de peregrinação, tendo, em período de dominação islâmica, acolhido peregrinos cristãos e muçulmanos que lhe chamavam Chakrach .
A Igreja do Corvo, associada ao acolhimento das relíquias do santo levantino S. Vicente, porque diz a lenda que o corpo do Santo Mártir do século IV terá dado à costa neste local, quando era levado de Valência, onde tinha sido martirizado, para Lisboa, parece ter desempenhado um papel fundamental na própria fundação do reino português, ou não tivesse D. Afonso I organizado duas expedições para resgatar o corpo do santo, trazendo-o para Lisboa.
Lugar de culto moçárabe, como acima dissemos, Sagres acolherá depois outras lendas mais ou menos infundamentadas como a de ter sido o local onde se fundou a "escola" de navegadores criada pelo Infante D. Henrique, que ali, ou, muito possivelmente na vizinha povoação de Vila do Bispo, estadiava frequentes vezes.
Ali no Promontorium terá sido, pois, guardado o Santo mártir, S. Vicente - o que vem dar a origem ao nome com que é denominado, a partir de certa altura, o próprio Cabo, até que também sempre acompanhado pelos corvos chega a Lisboa, em 1173, tornando-se assim esse pássaro negro, atributo de divindades conotadas com a Luz, o símbolo da cidade que ainda hoje mantém a barca que transportou o féretro e os dois corvos que o terão acompanhado, no seu escudo de armas.
Serão ainda os corvos, segundo reza a história, que acompanharão os Portugueses, no seu caminho para o Sol rumo ao Ocidente, seguindo a Via Láctea.
Por sua vez, desde o ano de 274 DC o imperador Aureliano tornou o culto ao deus sol invicto um culto oficial romano, assumindo essa divindade uma importância enorme no Império.
Desde essa data até o ano de 387 d.C. o culto ao sol invicto (invensível) manteve estatuto oficial.
A data de 25 de dezembro que era comemorada como “natalis solis invicti” acabou por ser adotada pela religião católica romana como data do nascimento de Jesus Cristo.



Imagem obtida a partir de:
http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/calendar/invictus.html

A expressão invicto,  acrescenta ainda este autor, significa invencível e desde o século III a.C. já havia sido empregue em várias divindades como Hércules, Apolo, Marte e Júpiter.

«O uso mais antigo registrado de sol invicto é do ano de 158 A. C: “inventori lucis soli invicto augusto” – para o inventor da luz – o augusto sol invicto. Há provavelmente ligação directa entre a figura do deus sol e a figura da casa real romana, inclusive a origem da coroa radiante, tem ligação direta com a associação da figura reinante e o deus sol».


Mas lembremos ainda o Santuário do Sol e da Lua, Sintra, cujo desenho foi incluído por Francisco de Holanda  na sua obra "Da Fábrica que Faleçe ha Çidade de Lysboa", em 1571, tendo-o descrito da segunte forma "hu çirculo ao redor cheo de çipos memorias dos Eperadores de Roma". 
Tratava-se de um recinto circular implantado numa plataforma, sobre a qual se distribuíam 16 aras prismáticas, organizadas com espaços regulares; ao centro seria visível um disco solar raiado, provavelmente executado em mosaico, que deveria ter à sua esquerda um crescente lunar. Todavia, admite-se que o desenho de Francisco de Holanda possa ser apenas um esboço, e as aras tratarem-se de simples bases, ou socos de uma colunata ou de estátuas e terem um número de doze,  dando um carácter astrológico do santuário. 



Santuário do Sol e da Lua, segundo desenho de Francisco de Holanda


Citamos José Cardim Ribeiro a propósito deste santuário da época romana,  provavelmente sacralizado em época muito anterior: "Estamos claramente perante uma intencional forma de sincretismo entre um culto de cariz astral e o culto imperial, operada num santuário carregado de simbolismos pela sua singular localização geográfica e, porventura, também herdeiro de remotas tradições religiosas regionais, quer ligadas ao ciclo solar, quer à ancestral deusa lunar e salutífera que, de noite, vaguearia pelas penedias e pelos densos bosques do monte Sagrado, da Serra da Lua" (RIBEIRO, Cardim - Soli Æterno Lunæ. O Santuário, in Religiões da Lvsitânia-Loquuntur Saxa, Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia, 2002, p. 236).



Ver:
Sol Invictus and Christmas
http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/calendar/invictus.html
Sol Invictus:
Encounters Between East & West in the Ancient WorldJulius Evola
http://www.counter-currents.com/2011/03/sol-invictus-encounters-between-east-west-in-the-ancient-world/